quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O apartamento 237

Já fazia tempo, nem lembro desde quando, mas morava naquele apartamento, de número 237 de um prédio antigo, em meio ao centro da cidade rodeado por gloriosas construções. Há mais ou menos dez anos que descobri algo muito peculiar em meu apartamento, uma incrível passagem secreta para outro prédio, onde há uma grande sala, totalmente abandonada. Além disso, há saídas estratégicas para o estacionamento de prédio ao lado. De minha janela posso ver uma praça do centro, e ao fundo a próxima cidade, depois do rio, uma metrópole muito maior que a que vivo. Nossa, dez anos, nem percebi que já fazia tanto tempo...


"Ding Dong". Tocou a campainha. Estou deitado em minha cama, a casa está uma bagunça. "Ding Dong". De novo a campainha. Espero que vá embora logo, não deve ser importante mesmo. "Ding Dong. Ding Dong". Ah, acho que terei que atender, que preguiça... Mesmo sem camisa abro a porta. Ali vejo um senhor cego e muito sinistro. Já era bem idoso, mas ainda muito forte apesar de aparentar estar bem velho. Pergunto o que ele quer, e ele me ignora e pergunta sobre uma menina, se ela está aqui. Respondo que não e ele diz "ta". Fecho a porta. Deito de novo. "Ding Dong". Não acredito! Atendo a porta novamente. O mesmo velho estava ali, mais inquieto, tremendo, e perguntava sobre a Alicia. Eu disse que não sabia...

- Mentira!!! Gritou o velho.

Me assustei. Tentei explicar que realmente não a conhecia. Ele começou a rir e falar que eu não me lembrava. Perguntei do que ele estava falando, e ele disse para eu me lembrar de dez anos atrás de uma pequena garotinha que havia fugido de casa.

Lembrei.

Recém havia me mudado para aquele apartamento. As coisas da mudança ainda estavam nas caixas. De repente, aparece em minha porta uma jovem, de aproximadamente dez anos. Ela estava com uma mochila, meio suja e aparentava estar com fome. Perguntei dos pais dela e ela não respondeu. Ofereci-lhe comida e ela prontamente comeu. Chamei as autoridades, mas me informaram que eu precisava ficar com ela por dois ou três dias até que a burocracia se resolvesse. E assim o fiz. Cuidei dela e fiquei amigo. Lembro-me agora, que quem me ensinou sobre a passagem secreta foi ela. Ela deve ter encontrado isso devido ao jeito das crianças de se aventurarem por todos os cantos. Dois dias após apareceu um homem grande e preocupado. Perguntando onde estava Alícia. Se apresentou como o pai da menina. Ela relutou em ir com ele, mas expliquei que assim era como deveria ser. E ela se foi. Nunca mais a vi.

- Vejo que você lembra agora. Onde está ela!!! Gritou novamente o velho.

Respondi que não a via desde aquele dia.

- Claro que não a viu mais. Algumas semanas depois, Alícia decidiu fugir de novo para a sua casa. Consegui alcançá-la a tempo, mas fatídicamente ela correu de mim e fomos atropelados. Alícia faleceu e eu perdi a visão. Após isso, não consegui superar a minha dor e me trancaram em um lugar escuro, até hoje. Sempre desejei vir aqui e dizer que o senhor é o culpado disso tudo.

Tentei dizer que lamentava muito a perda e todo o ocorrido, mas que já era algo que havia passado e que eu não me sentia responsável pelo incidente.

- Cale-se. Você é o culpado!

Comecei a me assustar.

- Você é o culpado e deve pagar!

Ao dizer isso, retirou uma grande faca e tentou me acertar. O fato dele ser cego facilitou minha esquiva no primeiro golpe, mas em seguida começou a golpear e comecei a recuar. Não tinha mais como fechar a porta. Corri para o quarto. Pensei em me trancar, mas a chave não estava na porta. Comecei a procurar. Apagou-se a luz. Entrei em pânico. Não vou encontrar, vou me esconder aqui no quarto. Ouvi seus passos, parou em frente a porta. Lentamente abriu ela. Pensei em como que aquele senhor conseguia agir tão bem no meu apartamento, visto que ele era cego.

- Você deve estar se perguntando como sei me movimentar pelo seu apartamento tão bem mesmo sendo cego. O fato que você não sabe é que eu e Alícia moravamos aqui antes de você se mudar. Conheço cada canto desse lugar, assim como Alícia conhecia.

Agora fazia sentido. E isso me lembrou da passagem secreta. Se ao menos eu conseguisse chegar lá. Peguei um sapato e arremessei para o outro lado do quarto. O velho correu para o meu lado, dizendo que sentiu que o sapato havia sido arremessado de minha direção. Ele era esperto. Subi na cama e saltei para o outro lado. Caí de mal jeito, mas consegui sair do quarto. Tentei ir para a porta de casa, mas ele havia trancado. Realmente, não havia outra saída senão o esconderijo. Consegui. Minha surpresa que todas as outras saídas do esconderijo estavam bloqueadas. Não sei como, mas ele já tinha previsto tudo isso. Senti que ele estava prestes a entrar no local. Consegui derrubar um armário no buraco e evitar sua entrada. Ele lutou, lutou, e desistiu.

Mais a noite, tentei ver se ele havia ido embora. Tirei o armário. Ele apareceu rapidamente e me arranhou com a faca. Corri de volta e fechei a passagem. Dessa vez, foi por pouco. Ele ficou ali do outro lado e sentou. Isso se manteve por dois longos dias. Eu aguardando ele ir, e ele sentado. Para minha sorte eu tinha água na minha sala. Momentos difíceis.

Uma hora, o velho se levantou e foi embora. Aguardei algumas horas. Sem sinal dele decidi sair. Não estava próximo a passagem, não estava nos quartos, na cozinha e minha porta estava aberta com a chave nela. Fiquei muito assustado de ficar ali naquela noite, e fui para um hotel.

No dia seguinte retornei ao meu apartamento. Número 237. Olhei para minha janela aberta, e observei um fato curioso. Ao fundo, na outra cidade havia uma grande movimentação, helicópteros e muitas luzes de sirenes. Liguei a televisão. Ao vivo, mostrava o velho, conectado a cinco tambores de um material supostamente radioativo. Tudo isso conectado com a sua mochila e uma alavanca em suas duas mãos. A única coisa que me lembro foi ele gritar Alícia. Um luz muito clara e ofuscante foi percebida ao fundo, observado de minha janela. Um segundo depois uma onda de choque provocada por um vento absurdamente forte me arremessa contra a parede e destrói todo meu quarto. Por um breve momento apago. Abro os olhos e vejo muita poeira, e ao fundo uma grande nuvem em forma de cogumelo.

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